quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A Dor (en)contra a Vida

Bom, em razão do 5º comentário do último texto eis mais um... (não sei se quem escreve texto é porque tem pretexto, mas foi mais ou menos o que aconteceu aqui... rs)

Li um trecho pequeno de um livro hinduísta que ensinava a lidar com o sofrimento e a dor sem negá-los ou ignorá-los, mas elevando-se acima deles. Sua religião prega que se deve dizer às mais dolorosas experiências: “não vou deixar que você me machuque. Vou experimentar o que de pior possa acontecer e vou triunfar. Vou aprender a arte do desligamento e superar a dor”. Todos já vimos imagens de hinduístas andando sobre braseiros ou deitando em camas de prego. O que eles fazem com seus corpos é o que tentam fazer com suas almas: ensinar-lhes a não sentir dor.

Um amigo já me disse certa vez que a maneira de atravessar uma vida de tragédias e incertezas é aceitá-la e ceder a ela, em vez de lutar contra ela, da mesma forma pelo qual um lutador usa a força e o peso de seu adversário, contra ele, em lugar de tentar superá-lo. Também me disse que a forma para atravessar a vida sem sentir dor constante é diminuir as expectativas. Não esperando que a vida seja justa, não sofrerá o coração diante da injustiça.

Correto?

Há controvérsias...

Ouvi e li com respeito às opiniões declaradas acima. Mas fundamentalmente tive que discordar.

Primeiro
Creio que quando diminuímos nossas expectativas da vida para evitar a dor da desilusão, abandonamos uma parte da imagem de Deus em nós. Aceitar a injustiça porque ela sempre fez parte da sociedade é desistir facilmente. Certo, isso nos pouparia muita angústia e frustração – mas a que custo? Acho que é como o pai superprotetor que não deixa o filho andar de bicicleta porque pode cair e se machucar. Usar tal armadura nos protege de ferimentos, mas também impede que cresçamos.

Segundo
Se acreditamos que a vida é boa quando evitamos a dor, corremos o risco de não aprender tão bem a não sentir dor e, com isto, não sentir nada. – nem alegria, nem amor, nem esperança, nem espanto. Ficamos emocionalmente anestesiados. Aprendemos a viver toda a nossa vida dentro de estreitos limites emocionais, aceitando o fato de que teremos poucos instantes de alegria em troca da garantia de que também não teremos momentos ruins, de dor ou tristeza – apenas o eterno sentimento da monotonia, de um dia cinzento, que só é percebido depois de um longo tempo. Por causa do nosso medo da dor, dominamos com tal perfeição a arte do afastamento que mais nada consegue atingir nossas emoções. Nos afastamos dos amigos, das pessoas dos relacionamentos. Procuramos uma viagem, um cinema, uma saída que nos tire da rotina. Ou começamos a procurar adrenalina: dirigir depressa, voar de asa delta, praticar algum esporte radical, dizendo que “somente assim nos sentimos vivos”.
Colocamos a culpa naquilo que já vivemos ou nas pessoas com quem convivemos, e que a cura para isso é mudar de emprego, de parceiro, de bairro ou de vida, para que tudo se torne mais interessante. Às vezes a mudança pode até ser necessária mas, quase sempre, o problema está em nós mesmos. Por causa do nosso medo do sofrimento ou da desilusão, escolhemos uma outra vida, onde pensamos que não passaremos mais por isso. Construímos para nós mesmos um piso emocional, abaixo do qual não poderemos afundar, para termos a certeza de que nada nos poderá ferir ou deprimir, e um teto emocional, acima do qual não nos poderemos elevar, porque o risco de queda será grande demais. E nos perguntamos as vezes por que nos sentimos tão anestesiados.

Pra terminar, como citei no último texto, que acreditar em contos de fadas seria mais fácil, citarei um...
“A história do rapaz que queria aprender a ter medo”
É a história de um jovem, faça o que fizer, nunca sente medo. Ele se sente incompleto, sem a dimensão emocional do medo. Resolve então partir e se depara com aventuras arrepiantes, fantasmas e bruxas e dragões que cospem fogo, mas nunca consegue sentir um simples arrepio de medo. Em sua última aventura, consegue libertar um castelo de um encanto perverso e, como prova de gratidão, o rei lhe dá a mão de sua filha. O herói diz a princesa que, embora goste dela não tem certeza de que possa casar até que complete sua missão e aprenda a sentir medo. Na noite de núpcias (pelo menos essa é a versão contada para as crianças), a noiva arranca as cobertas de seu leito e atira nele um balde de água fria cheia de peixinhos. Ele grita: “Minha querida esposa! Agora eu sei o que é um arrepio!” – e se torna feliz. rs...

Você deve estar se perguntando: qual o sentido dessa história?
Acho que uma pessoa não está pronta para a vida adulta sejam quais forem suas realizações neste mundo, até que esteja emocionalmente madura e aberta para o sentimento. Nosso herói não consegue sentir amor ou alegria por não ser capaz de sentir susto e medo. Talvez ele seja o símbolo de todos nós que, em nossos esforços para evitar a dor, nos amortecemos contra todos os sentimentos e, ao contrário do herói do conto de fadas, não sabemos o que estamos perdendo.